quarta-feira, 30 de março de 2011

A concepção de significação gramatical segundo Boas

The man killed the bull ("O homem matou o touro"). As glosas que Boas fez desta frase no seu epítome Language (1938) constituem uma de suas contribuições mais penetrantes à teoria linguística. "Na linguagem", diz Boas, "a experiência a ser comunicada é classificada de acordo com certo número de aspectos distintos" (1938, p. 127). Assim, nas sentenças, "o homem matou o touro" e "o touro matou o homem", duas sequências opostas de palavras exprimem uma experiência diferente. Os "tópicos" (termo genérico sugerido por Yuen Ren Chao para designar o sujeito e o objeto) são os mesmos, homem e touro, mas o agente e o paciente de distribuem de forma diversa.
A gramática, segundo Boas, relaciona, classifica, exprime os diversos aspectos da experiência e, além disso, realiza outra importante função: "determina aqueles aspectos de cada experiência que devem ser expressos". Boas revela, sagazmente, a obrigatoriedade das categorias gramaticais como o traço específico que as distingue das significações lexicais:
"Quando dizemos: The man killed the bull, entendemos que um homem único e definido matou, no passado, um touro único e definido. Não podemos exprimir esta experiência de maneira tal que permaneçamos em dúvida quanto se se trata de uma pessoa definida ou indefinida, de um touro definido ou indefinido, de uma ou mais pessoas ou touros, do presente ou do passado. Temos de escolher entre os aspectos, e um ou outro deve ser escolhido. Os aspectos obrigatórios são expressos por meio de procedimentos gramaticais (1938, p. 132)".
Em nossa comunicação verbal, defrontamos um conjunto de escolhas binárias. Se a ação referida é kill e se the man e the bull funcionam como agente e paciente, respectivamente, a pessoa que fala tem, em inglês, de escolher entre (A) uma construção Passiva e uma construção Ativa, a primeira enfocada no paciente, a segunda no agente. Nesse último caso, o paciente, e no anterior, o agente, podem ou não ser designados: the man killed (the bull) e the bull was killed (by the man). De vez que a menção do agente é facultativa nas construções passivas, a omissão não pode ser encarada como elíptica, ao passo que numa sentença como was killed by the man constitui uma elipse saliente. Tendo escolhido a construção ativa, a pessoa que fala deve, ademais, fazer uma série de escolhas binárias entre, por exemplo, (B) Pretérito (remoto) ou Não-Pretérito: killed contraposto a kills; (C) Perfeito - na interpretação de Otto Jespersen (1924, 1954) retrospectivo, "permansivo", inclusivo - ou Não-Perfeito: has killed cotraposto a kills; had killed contraposto a killed;  (D) Progressivo (expandido, continuativo) ou Não-Progressivo: is killing contraposto a kills; was killing contraposto a killed; has been killing contraposto a has killed; had been killed contraposto a has killed; (E) Potencial ou Não-Potencial: will kill contraposto a kills; would kill contraposto a had killed; will be killing contraposto a is killing; would be killing contraposto a was killing, will have been killing contraposto a has been killing, would have been killing contraposto a had been killing (omito os outros verbos auxiliares da série dupla will - shall e com may que, da mesma maneira, têm apenas uma forma no pretérito e uma forma no não-pretérito). (1)
O verbo auxiliar do, empregado nas construções assertivas, verificativas - afirmação ostensiva, "negação nexal" e "interrogação nexal" (termos de Jespersen, 1924) - , não se pode combinar com outros verbos auxiliares e, por isso, o número de escolhas possíveis entre (F) Assertivo e Não-Assertivo é consideravelmente reduzida: does kill contraposto a kills e did kill contraposto a killed. (2)
Visto que toda negação nexal e toda pergunta nexal têm uma modalidade assertiva, verificativa (uma modalidade "veredictiva", conforme a sugestão terminológica de Willard Quine), nesses casos uma formal verbal simples (kills, killed) é obrigatoriamente substituída por uma construção com  do e não há escolha binária, ao passo que a distinção entre uma confirmação e uma simples enunciação positiva requer escolha de uma de duas construções possíveis - the man does kill the bull ou the man kills the bull; he did kill ou he killed. Destarte, a ausência (ou pelo menos o caráter assaz inusitado) de construções interrogativas como killed he ou read you no sistema formal do inglês, tem uma motivação semântica.
Um diagrama pode resumir este panorama das categorias verbais seletivas nas construções pessoais positivas: toda vez, de cada dois termos opostos, a categoria mais especificada, "marcada", é designada por um sinal de mais, e a menos especificada, "não-marcada", por um sinal de menos; sinais de menos entre parênteses indicam a não-existência de sinais de mais correspondentes.
A escolha de uma forma gramatical pelo que fala confronta o que ouve com um número definido de unidades (bits) de informação. O caráter compulsório dessa espécie de informação para qualquer intercâmbio verbal dentro de uma dada comunidade linguística, e a considerável diferença entre a informação gramatical veiculada pelas diferentes línguas, foram plenamente compreendidas por Franz Boas graças ao seu espantoso domínio dos múltiplos padrões semânticos do mundo linguístico: "Os aspectos escolhidos em diferentes grupos de línguas variam fundamentalmente. Para dar um exemplo: enquanto, para nós, o conceito de definido ou indefinido (definiteness), de número e de tempo são aspectos obrigatórios, encontramos em outras línguas localização - perto do que fala ou alhures - , fonte de informação - vista, ouvida (isto é, sabida por ouvir dizer) ou inferida - como aspectos obrigatórios.
Em vez de dizer "O homem matou o touro", eu teria de dizer: Este homem (ou homem) matou (tempo indefinido) visto por visto aquele touro (ou touros)" (Boas, 1938, p. 13).
Aqueles que tenham pendor, para tirar inferências acerca da cultura a partir de uma série de conceitos gramaticais são imediatamente advertidos por Boas: os aspectos que devam ser expressos podem ser abundantes em algumas línguas e raros em outras, mas "paucidade de aspectos obrigatórios não implica, de modo algum, obscuridade do discurso".
Quando necessário, a clareza pode ser obtida pela adição de palavras explicativas. Para exprimir tempo ou pluralidade, as línguas que não tenham tempo ou número gramatical recorrem a meios lexicais. Destarte, a verdadeira diferença entre as línguas não reside no que se possa ou não exprimir, mas no que deve ou não ser expresso pelos que falam. Se em russo diz: Ja napisal prijatelju ("Escrevi a um amigo"), a distinção entre o caráter definido ou indefinido do complemento ("o" contraposto a "um") não é expressa, ao passo que o aspecto verbal indica que a carta foi terminada, e o sexo do amigo é indicado pelo gênero masculino. Como, em russo, tais conceitos são gramaticais, não podem ser omitidos na comunicação ao passo que, diante da mesma frase em inglês: I wrote a friend, as perguntas de se a carta foi concluída a um amigo ou a uma amiga podem ser abruptamente respondidas com um "Não é da sua conta".

kills                                          A     B     C     D     E     F
killed                                        -      -       -      -      -      -
has killed                                  -      +      -      -      -      -
had killed                                  -      -       +     -      -     (-)
will kill                                      -      -       -      -      +    (-)
would kill                                  -     +       -      -      +    (-)
will have killed                          -     -        +     -       +    (-)
would have killed                      -     +       +     -       +    (-)
is killing                                    -      -        -      +      -    (-)
was killing                                -      +        -      +      -   (-)
has been killing                         -     -       +       +      -    (-)
had been killing                         -     +      +     +       -    (-)
will be killing                            -      -        -      +      +    (-)
would be killing                        -       +       -      +      +   (-)
will have been killing                -       -       +      +      +   (-)
would have been killing            -       +      +      +      +   (-)

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